
Quase 5 da manhã, diria ela, não são horas de uma menina ajuizada e de boa índole chegar a casa. Descalço as sapatilhas, coçadas e com os atacadores pendestes para os lados, não ter ainda tropeçado neles é uma sorte. Tenho os pés gelados e desconfio que tão cedo não os vou conseguir aquecer. A cabeça ainda atordoada, movimentos em slow-motion, tento-me esquivar ao ranger das escadas e aos batuques no soalho enquanto os meus passos por ele devaneiam incertos, onde é que fica mesmo a porta do quarto? Três em frente e dois para a esquerda, cá está ela. Entro de mansinho, a respiração reduzida ao mais ínfimo sopro possível, aliás, se conseguisse não respirar de todo é que dava jeito. Visto uma roupa mais quente e enfio-me na cama, tapo os lençóis, cabeça por baixo do edredon, bem enroscada, em posição fetal. Porra que não tenho sono. E realmente os pés continuam frios, eu bem disse que não os conseguia aquecer.
Do telemóvel sai um barulho estranho, mensagens às 5 da manhã? Mão de fora, braço de fora, alcançar telemóvel, tarefa confusa no meio de tanta tralha que vai dentro da minha mala. Pelo caminho esbarro com livros que acabara de comprar ao início dessa noite. Vem-me comer à mão O «Horto de Incêndio», do Al Berto. Enfio-o rapidamente dentro dos cobertores, não vão as minhas mãos ficar também eles frias e aí é que eu não dormis mesmo nada toda a noite… manhã, melhor dizendo.
A luz da cabeceira está ainda acesa, e apesar de ténue dá para ler qualquer coisa se abrir uma pequena brecha no edredon. Começo a folhear as primeiras páginas, a princípio custa-me a perceber as palavras, os meus olhos ainda não se acostumaram a este negrume. Por fim a tinta preta começa a fazer sentido e as palavras a formarem frases, e estas poemas, e tudo assume uma nova proporção.
Na primeira página legível deparo-me com :
Durante a noite
A casa geme agita-se aquece e arrefece
No interior frio do olho da tua sombra sentada
Na cadeira aparente ente vazia
Esperas acordado sem sono
Que a temperatura da casa funda
Com a temperatura incerta do mundo
Depois
Escreves exactamente isto: o horror dos dias
Secou contra os dentes – e rouco
Dobrado para dentro do teu próprio pensamento
Ferido
Atravessas as sílabas diáfanas do poema
Levantas-te tarde
Atordoado
Para extinguires o lume ateado
Junto à memória da casa - respiras fundo
Para que o gelo derreta e afogue
A vulgar noite do mundo
Olhas-te no espelho
Atribuis-te um nome um corpo um gesto
Dormes
Com a árvore de saliva das ilhas – com o vento
Que arrasta consigo esta chuva de fósforo e
Estes presságios de tranquilos ossos
Este poema podia ser sobre mim. Podia ! Os olhos começam-me a pesar . Mais e mais, com maior violência, nem vale a pena mudar a página.
Fiquemos assim por esta noite…
E ficamos bem …
No doce embalo do poeta …

2 comments:
5 da manha?!?! quinta!?!? os livros... compras brilhantes que fizeste
I didn´t want but they are perfect, these simple words :
I Just Wasn't Made For These Times (Beach Boys )
( quase que podia ser o meu hino-principalmente quando me passa pela cabeça de que posso ver homenzinhos verdes, divertir-me em carrinhos de choque, falar alegremente com as pessoas, etc.etc.etc. )
I keep looking for a place to fit
Where I can speak my mind
I’ve been trying hard to find the people
That I won’t leave behind
They say I got brains
But they ain’t doing me no good
I wish they could
Each time things start to happen again
I think I got something good goin’ for myself
But what goes wrong
Sometimes I feel very sad
Sometimes I feel very sad
(can’t find nothin’ I can put my heart and soul into)
Sometimes I feel very sad
(can’t find nothin’ I can put my heart and soul into)
I guess I just wasn’t made for these times
Every time I get the inspiration
To go change things around
No one wants to help me look for places
Where new things might be found
Where can I turn when my fair weather friends cop out
What’s it all about
Each time things start to happen again
I think I got something good goin’ for myself
But what goes wrong
Sometimes I feel very sad
Sometimes I feel very sad
(can’t find nothin’ I can put my heart and soul into)
Sometimes I feel very sad
(can’t find nothin’ I can put my heart and soul into)
I guess I just wasn’t made for these times
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