Sunday, June 10, 2007

A partir do interior de uma bolha


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Na história que se propôs contar, o verbo existia antes do início da narração. Era triste e de conjugação disfuncional, arrogância assumida na forma como focava a primeira pessoa e se esquecia de dançar no plural. Encenava, sozinho, uma dança sóbria, já que, das letras de todo o alfabeto ignorava apenas o esse. Conhecia o som mas não sabia sentir a música. Não sabia ou fazia-se de surdo. Vivia ora numa alegria descontente ora num alegre descontentamento. Tinha semi-ausente na memória um tempo em que não lhe era cobrado o falar, proferir os malditos esses que nunca saíam articulados ou, por vezes até, meramente inteligíveis. Nessa altura não encarava o acto da comunicação como um bem de primeira necessidade, e vivia sossegado dentro de uma bolha de espuma e brincadeiras infantis. Sabia de lugares nos quais não fazia mal nenhum dançar sozinho, onde ninguém se ria da sua troca de passos descompassados ou dos jeitos desajeitados. Era dono de uma certa forma de ser feliz, pois só ele gargalhava da sua inata aptidão para a falta de equilíbrio.

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