Tuesday, June 26, 2007

As palavras difíceis e os gestos contidos

Assumo ter um sério problema com a questão da proximidade e do contacto físico. À partida, existe uma certa frieza na minha forma de lidar com os outros. Uma barreira de segurança centimetricamente mensurável, um inflingido mecanismo protector anti-contágio, pois vá-se lá saber o que me podem pegar, com a quantidade de doenças que para aí andam e com a manifesta promiscuidade com que as apanhamos.
Se não tenho cuidado, um dia destes ainda me pegam amor num espirro, Deus me livre e guarde.
Este é assunto que já ganha pó em cima da mesa, de tantas vezes que já foi pensado e de algumas outras em que foi alvo do bate-boca. As origens de tão ignóbil enfermidade remontam, como sempre, à infância, ou não acredite eu que, lá porque as teorias de Freud não tinham aplicação terapêutica, não quer dizer que o homem não soubesse aquilo que estava a dizer. Dar um beijo, um abraço, são coisas que caíram em saco roto quando era pequena. E isto não se trata de um explícito queixume à educação que me deram os meus pais. Não me faltou atenção, cuidado, algum mimo, ou não fosse eu filha única e desejada durante "uma vida inteira", nos jeitos de a minha mãe falar. Mas a verdade é que a carência de manifestações físicas de afecto na relação com os meus pais afectou, e afecta ainda, sobremaneira, a minha forma de, hoje, enquanto adulto maior e vacinado, me relacionar com os que estão à minha volta, os que vão e vêm, os que ficam e os de sempre.
Temo, por vezes, não usufruir da afectividade na sua plenitude, de me tornar incapaz de expressar condignamente o quanto gosto dos outros, o quanto me fazem falta, o quanto me vejo dependente deles a cada síncrono batimento cardíaco.
A Natureza humana criou-me particularmente carente da presença de outrém, logo a mim, que sofro ainda o incómodo do constrangimento de um abraço ou de um beijo, de um "Gosto muito de ti" arrancado com sacrifício e de olhar desviado por uma absurda vergonha, de um "Amo-te" proferido a medo e de forma berve, seca, não prolongando o sofrimento de ter que o dizer.
Tenho, ao longo do tempo, mantido sucessivas tentativas e insistências em aliviar a cronicidade da patologia. É preciso, contudo, a avisar que não é fácil. A burro velho não se ensinam novas cantilenas. E é um esforço arduamente sustentável o de mudar 24 anos em pouco tempo. Tenho, apesar de tudo, uma alegria quase infantil em informar que estou a fazer progressos.
E que se, a cada um daqueles de quem sou irrevogavelmente dependente para existir, um dia destes eu me abraçar e disser que os amo muito, não estranhem. É sinal que estou curada. Até lá, desculpem qualquer coisinha. É que simplesmente não fui habituada.

5 comments:

Anonymous said...

compreendo-te perfeitamente.
tb eu já fiz muitos progressos, mas ainda hoje não sou mt beijoqueira com conhecidos. aquela coisa de encontrar as pessoas de todos os dias e presentear umas quantas com beijinhos n dá...um bom dia sorridente acho que é o suficiente, ou não? a causa deste meu distanciamento tb deve prender-se com as poucas demonstrações de afecto entre os meus pais. mas, talvez por estar a viver um amor que juro a pés juntos será eterno, o pudor desapareceu por completo com aquela pessoa e os carinhos são uma constante. mas com amigos, é preciso ser mesmo muito amigo para um beijo mais repenicado ou para um abraço mais apertado :)

excelente texto!

Carlos Moreira said...

bom texto.
Deve ser complicado. Como recebes carinhos? Deves estar a perder tantas sensações fantásticas... isso passa :)

sofi said...

There are others out there...

franksy! said...

quando era pequena, apesar de haver imensa vida lá em casa, de eu ter imensa atenção - não fosse eu a [muito] mais novinha de todos, lá em casa também não havia manifestações de afecto que ultrapassassem os dois beijos matinais que cada um de nós multiplicava por cinco! No entanto - e penso que por isso - mal comecei a formar carácter, sou farta em beijos, abraços, mimos, adoro-tes, amo-tes e tudo mais que sabe bem!
A gota nunca cai pelo mesmo leito...
Tu és AMOR! E não sentirei grande surpresa quando me abraçares e o disseres!
Adoro-te Catarina! És um doce!

Caty said...

Sabes curse, eu também fico encavacada só com aquela coisa de dares 2 beijinhos a quem não conheces muito bem. Aliás, à maior parte das pessoas eu sorrio e aceno com a cabeça. Às vezes tenho medo de ser mal interpretada, mas o que fazer? Mas sim ... os meus progressos também começaram à pouco mais de 1 ano ... pelas mesmas razões que as tuas:) Beijinho grande.

Carlos, como já disse estou bem melhor agora. Já consigo dar e receber, que sempre foi mais difícil que dar. Aliás, às vezes sou mesmo pedinchona e faço birra:)

Sim Sofia ... não tenho a pretenção de ser a única. Aposto que é mal comum a muita gente. Uns são mais expansivos que outros. Eu encontro-me em processo de lenta expansão. Eu sou sempre muito lenta em tudo:)

Minha querida Francisca. Não digas assim à toa que tu és uma fortíssima candidata a, um destes dias, apanhares com uma dose massiva d'O AMOR em público. Ah pois, à frente de toda a gente. À frente do Bexar Bexar já não vai ser porque enfim ... já foi:) E tabém, para além da Maria e da Margarida, só o bêbado da mesa do fundo é que ia ver a manifestação, e duvido que fosse perceber alguma coisa ou sequer que o tentasse fazer. No Tropical a uma sexta à noite é que ia ser bonito. Já estou a ver a cara das pessoas "Eu sempre soube. Aquilo do namorado era só para disfarçar." AQUELA DO FOLK NUNCA ME ENGANOU.